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Mulheres indígenas e sistema penal: invisibilidade étnica e sobrecargas de gênero.

Michael Mary Nolan, Viviane Balbuglio e Amanda Signori


Tendo como pressuposto a constatação de que a prisão de mulheres acentua violências específicas de gênero, pode-se afirmar que as mulheres indígenas fazem parte de uma minoria ainda mais invisibilidade dentre as mulheres em situação de prisão.

Mulheres indígenas fazem parte de uma minoria ainda mais invisibilidade dentre as mulheres em situação de prisão.


De acordo com os dados oficiais produzidos pelo Ministério da Justiça no Infopen de dezembro de 2014, existem 41 mulheres indígenas encarceradas, as quais em maior parte se concentram em Roraima e Mato Grosso do Sul. Por sua vez, mesmo ampliando o recorte para homens, os dados do Infopen parecem deficientes, pois dizem que no Brasil há 120 estabelecimentos prisionais – dos 1420 de todo o país – encarcerando indígenas e que apenas 46 teriam informações sobre o povo ou a língua materna dessas pessoas.

Esses dados demonstram, quando confrontados com a realidade que envolve os povos indígenas no Brasil, a relevância social do debate sobre a criminalização e inviabilização das identidades culturais das minorias, mas que não será possível abordar nesse texto. O foco deste artigo estará em discutir a problemática da inviabilização dos indígenas perante o sistema penal, que marca as mulheres indígenas com as violências de gênero corriqueiras, especiais e estruturais. Invisibilidade esta que não é uma mera questão sobre o número de mulheres atingidas por essa realidade, mas sim sobre o fato de que essas pessoas sequer têm a oportunidade de serem propriamente identificadas desde a prisão até qualquer fase do processo criminal, ao mesmo passo que suas histórias, culturas, línguas e modos de vida, são desconsiderados pelos agentes da justiça criminal.

Voltando ao Infopen, é preciso pontuar que seus dados são produzidos a partir das informações prestadas pelas unidades prisionais e seus diretores. Até mesmo nas questões que envolvem características sociodemográficas, a unidade recorre a dados já coletados, o que significa dizer não há respeito ao critério legal da autodeclaração.

Diante dessa crítica aos dados do Infopen, é possível pensar que se a elas fosse dada a oportunidade de se auto identificarem quiçá a quantidade de mulheres aumentaria e seus direitos poderiam ser respeitados. Um dos exemplos indicativos para esta conclusão decorre da vivência prática do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania no atendimento às mulheres estrangeiras em conflito com a lei em São Paulo. Ao aplicar um questionário social próprio, foram encontradas mulheres, oriundas, sobretudo da América Latina (em especial da Bolívia) e do continente africano, que se autodeclararam indígenas ou pertencentes a povos tradicionais. Esses dados não são registrados pela unidade prisional.


Além disso, em diversas situações, é possível notar que algumas mulheres hesitam em se identificar como indígenas pelo receio de futuras retaliações discriminatórias e opressoras, tendo em vista o passado de cinco séculos de violência.

Algumas mulheres hesitam em se identificar como indígenas pelo receio de futuras retaliações discriminatórias.

A falta de identificação cultural dos indígenas desde a prisão até a persecução penal, infelizmente, justifica a não aplicação de direitos especiais dos povos tradicionais, afinal, como sabe “se não há índios, tampouco há direitos”. O que, por sua vez, se trata de uma violência institucional e de violação na proteção dos direitos dos povos indígenas descritos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada em 2004 pelo Brasil.


A invisibilidade da identidade indígena como forma de violência institucional inviabiliza e cerceia o gozo de uma série de direitos dos povos, consagrados na Constituição Federal e no Estatuto do Índio, tais como: a competência da justiça federal, a livre expressão em língua materna, o respeito à organização social e aos mecanismos próprios de punição e resolução de conflitos e o regime de semiliberdade em órgão indigenista próximo à comunidade. Em relação às mulheres especificamente, as Regras de Bangkok afirmam que o Estado deve reconhecer que as mulheres indígenas podem sofrer discriminações e dificuldades em razão de sua origem e que devem existir políticas e ações do Estado para identificar e suprir suas necessidades específicas.


Das Regras de Bangkok, combinada com a interpretação do artigo 231 da Constituição Federal, deriva a mais importante conclusão no tema das mulheres indígenas em conflito com a lei: se de forma geral determinado que os Estados devem priorizar as alternativas ao encarceramento feminino em razão das formas históricas de violência contra as mulheres, no caso das mulheres indígenas deve-se reconhecer que estas podem sofrer discriminações em razão de sua origem, devendo as autoridades identificar e suprir suas necessidades especiais, sempre consultando-as, bem como as suas respectivas comunidades, devendo respeitar a organização social de cada povo.

Ainda vale destacar, que a mulher indígena também tem direito ao regime de semiliberdade garantido pelo Estatuto do Índio. De toda forma, melhor seria que as formas de punições e resoluções de conflitos próprias de cada povo fossem respeitadas e, quem sabe, se fosse questionada a situação de vulnerabilidade em que muitas dessas mulheres estão inseridas, sobretudo no que tange às violações de seu direito à terra, não haveria necessidade de levantar e desvendar esses dados, nem mesmo do presente artigo.

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